3.10.10

CLARO ENIGMA



Muito causou espanto o que aconteceu àquele homem. Era um senhor simples, já de meia idade, rosto oblíquo, a pele alva, manso. Era sério, simples, e forte. Observava atrás dos óculos o vasto mundo, não mais do que o que ia por dentro. Escrevia versos e se chamava José, mas poderia ser qualquer outro, João, Joaquim, Raimundo, Carlos. Apenas mais um gauche, entre tantos, se não houvesse tantos desejos. Seguia sempre o mesmo trajeto trilhado há tantos anos, entre a Graça Aranha e a Araújo Porto Alegre, que as ruas já pareciam fazer parte de si, assim como se reconhecia no seu caminhar a sua distinta profissão de funcionário público.


Contam os mais próximos que a razão de ele ser triste era por ter nascido em uma cidadezinha qualquer, em que janelas olhavam a vida passar devagar, com um peso de ferro, como que de suportar o mundo nos ombros. Mas agora, era apenas uma fotografia na parede de sua casa, para onde se dirigia quando se deu o acontecimento.


Já na orla de Copacabana, o homem ia devagar, à procura da poesia escondida em algum lugar, quando, de repente, no meio do caminho tinha uma pedra. Mas não uma qualquer: era obtusa, misteriosa a pedra no meio do caminho, no meio da sua pacata travessia rotineira. Deteve-se a observá-la com toda a cautela que suas retinas fatigadas atrás dos óculos lhe permitiam alcançar. Sabia que sob a face neutra da pedra se escondia mil faces secretas que lhe perguntava: trouxeste a chave?


Não podia prosseguir em paz. A pedra lhe obstava todo o caminho traçado, toda a continuidade da vida, suspensos pelo claro enigma de esfinge que ali se configurava. Decifra-me, ou te devoro.


De repente, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou e tudo fugiu. Restava o homem, parado, sem gritar, sem gemer, o homem e o tabu: e agora?


Seu medo era como duros tijolos a cobrir a rua, só de medo e de calma. Observava a pedra e quanto mais se perguntava o seu segredo, mais não o respondias, lhe dizia que não tinha. O homem a perguntar, realmente não o tinhas, me enganavas?


Já pensava na desculpa que iria dar no trabalho, a carta ao senhor diretor, que protocolarmente surgia infalível às 8 e meia, sempre a indagar – alguma novidade? Sim, a novidade era aquela ali, a pedra no meio do caminho, a que lhe impunha a consciência suja, a que lhe fazia ganhar (perder) o dia – veja lá, José, eu confio em você.


Na pedra gastou seu dia. Nela, se perdeu. Quando amanheceu, o homem, duro como a pedra, não morreu. Fez-se de ferro, assim como sua cidade natal, e está lá até hoje, de costas para o mar, sentado num banco, na praia, a questionar, a pedra.











obs pra ninguém: eu fiz esse conto para um concurso sobre Carlos Drummond de Andrade, mas perdi o prazo para o envio. Mas não estou triste, foi um processo divertido, dividir uma estória com o poeta. Voltando às obrigações jurisdicionais...