24.5.10

Ouvido num ônibus

_ Eu, comparado à vida, estou por uma palavra.

[tentei compreender o sentido dessa máxima, mas achei que certas coisas nem devem ser entendidas, ou tem representação por si mesmas, numa vida paralela à correspondência ao real. Aí pensei que Roland Barthes tinha incorporado em mim e exorcitei-o, olhando para fora da janela o caos de gente na rodoviária Novo Rio.]

22.5.10

Maio

Maio é um mês bonito.

Maio é um mês estranho.

O final de maio é prenúncio do meio.

E eu hoje estou inspirada.



"Maio
já está no final
É hora de se mover
pra viver mil vezes mais
Esqueça os meses
esqueça os seus finais"

"maio", kid abelha



Eu sempro esqueço os finais.

Farei um conto para você.

Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó

Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu

Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez

Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar o meu amor
Não voltava
Jamais

"A moça do sonho", Chico Buarque



Sentado à mesa do restaurante o garçom me espreitava na convicção de que eu o chamaria para mais uma dose de conhaque. Pois ele acertou em cheio na sua premonição, eu não quis chatear o meu amigo temporário e pedi logo toda a garrafa do mais caro. Ele deliberou um simpático aceno de cabeça com um meio sorriso, embora não conseguisse disfarçar o cansaço de uma noite inteira de trabalho percorrendo mesas. Já era madrugada, o movimento ia baixo, só uma meia dúzia de homens formais e casais rindo aqui e ali, semi-prontos para saírem e voltarem aos quartos. Ele retornou e virou a garrafa no copo bem a minha frente, com uma usualidade de mãos que fazem aquilo há anos e que mesmo dormindo devem continuar a fazê-lo. Eu também o agradeci rotineiramente e bebi de uma vez o conteúdo despejado, sentindo o líquido rascante descer pela goela abaixo até sumir.
Continuei nesse passo durante um bom tempo, o suficiente para chegar à metade da garrafa e notar que o espaço ia ficando cada vez mais silencioso, onde só restavam dois sujeitos afastados e o serviçal, limpando eternamente a bancada que ele julgava já descansar em paz naquela noite, quando somou-se ao bar uma figura feminina. Colocou os dois cotovelos no vidro recém-enxugado pela flanela eterna e com o movimento de um dos dedos pediu alguma coisa para beber.
O lugar era escuro, mas onde ela se sentou era o ambiente mais iluminado do salão, tendo em vista que era o balcão em que todas as bebidas ficam à mostra, de modo que sua posição era estrategicamente de costas para mim, eu que estava numa mesa a alguns metros, não muitos que não pudesse apreciar aquela figura em todas as suas peculiaridades.
Era uma moça jovem, com os cabelos dourados e serpenteados em um coque extremamente alinhado, terminado onde começava um pescoço lânguido e muito alvo. Tinha as unhas e boca pintadas de vermelho intenso, assim como o seu vestido longo era de um um carmim vivo e notável. De suas costas descia um decote profundo até a altura do cóccix, adornado por uma fina fita de cetim escarlate que se alternava por toda a extensão da fenda, terminada por um um laço onde o pudor obrigava a ter limite, que seu corpo esguio e fascinante cativava a desobeder. Era a mais perfeita combinação entre carne e tecido que eu já vira em toda a minha vida, e a palidez da sua pele contrastava ainda mais naquele traçado vazado.
O fato de estarmos num hotel de luxo excluia a hipótese de ser uma dessas mulheres vulgares a procura de companhia noturna, e seu porte e ornamentos finos sepultavam de uma vez essa ideia. Era de fato uma mulher de classe e o mistério que envolvia aquela presença ali, sozinha e ricamente trajada, me despertava um fascínio que só aumentava pela minha embriaguez alcoólica.
Conjecturei razões plausíveis e não plausíveis para aquele enigma em forma de mulher, que naquele instante concentrava todo o universo do meu ser solitário e afetado pela bebida. Ela parecia vinda de um sonho antigo de algum rapaz que cresceu e parou de procurá-la. Foi tão cansativo procurar em todas as mulheres o seu paradeiro que ele se entregou àquela que no momento lhe convinha, e a fantasia juvenil ficou deslocada e para sempre perfeita. Ela agora andava a vagar pela noite com seu vestido de gala e aura intocável, que eu ousava macular. Tinha a esperança de que alguém a encontrasse e, com isso, desfizesse o encantamento que a prendia ao chão.
Ou então era a esposa de um rico empresário insensível que viajava pelo mundo, a carregá-la a convenções e encontros suntuosos, a obrigando a sorrir e a se anular em todas as ocasiões. Era um troféu caro e sua condição não a permitia respirar. Uma noite sem que ninguém percebesse fugiu de mais uma festa inútil e correu para cá, a espera de que alguém a salve. Eu me aproximaria e diria qualquer um desses chavões de manuais, depois a convidaria para meu quarto. Desfaria o laço que a prendia e trocaríamos juras desesperadas até que a manhã chegasse, ela se atrapalharia com a fita e cabelos desfeitos, e voltaria ao seu mundo, sem que eu lhe perguntasse o seu nome.
De repente, a sombra de um cavalheiro alto e distinto encosta suavemente a mão esquerda em seu braço direito, ela acorda de seu torpor enfeitiçado e o olha com encantos de apaixonada, seu corpo lentamente se levanta e se retira, com o homem a me tapar a visão. Foi-se embora assim como chegou, e num canto da parede o garçom me olhava com ares de aflição por ter que me esperar terminar o drinque. Eu tomei o último gole e agradeci mais uma vez àquele que se precipitava em retirar o copo, peguei o elevador e abri a porta com alguma dificuldade, me joguei na cama e dormi um sono sem memória, com as luzes do quarto acesas.





17.5.10

Já é meio de ano.

Acredita? Pois é.
Forte indício que as coisas vão terminar logo, logo....
Mas sabe o que eu queria dizer? quanto mais o tempo passa, mais estou certa nas minhas convicções. é estranho e surpreendente. Acho que se alguém que já conheci retornasse e tivesse um dedinho de prosa comigo (uai) saberia identificar a mudança. Mas eu, agarrada que estou em mim, não consigo ao certo apontar. mas está lá. e grita. queria ser mais objetiva, mas não posso.
No aguardo.