20.11.10

2012 é logo ali

Eu, como estudante de Direito há quase seis anos e quase bacharel, tenho que confessar que me vejo perdida num mundo cada vez mais retrógrado e em fins de extinção. A começar pela imbecil estudante de direito que teve a infeliz idéia de xingar nordestinos na internet [o que, infelizmente, não é caso isolado] e que foi elevada à bode expiatório, me fazendo envergonhar pela ignorância não só dos acadêmicos jurídicos como também da nova juventude culta. Tenho uma formação de esquerda, sou simpática ao governo Lula e todos os seus projetos, votei em Marina no 1º turno e na Dilma no 2º, tenho muito orgulho da minha ascendência nordestina, e com todos esses atributos às vezes me sentia isolada num ambiente jurídico elitista que até hoje prima pelo linguajar empolado e pela aparência das coisas, não por sua essência. A tirar exemplos muito pontuais, mas que tive o grande prazer de conhecer de muito perto, que me fazem ainda acreditar na carreira, esse ambiente é asfixiante e ainda longe de ser a "tradução dos anseios da sociedade". Cheira a mofo. E se arrasta. E prejudica.

Como se não bastasse a burrice dos aspirantes a operadores do direito, hoje tive a infelicidade de ler a notícia de que o Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu a distribuição do livro "Os Cem Melhores Contos do Século", organizado pelo meu ex-professor Ítalo Moriconi, aos alunos da educação pública. Não acreditei. Tive que procurar em outros sites mais informações sobre o caso. O número do processo. A fundamentação do Juízo. Os comentários. Como? Por quê? Pra quê? Eu tô sonhando?
Num país de iletrados como o nosso, essa medida é um deserviço público vindo de quem se julga o alto poder do Judiciário e só enfraquece ainda mais a imagem da Instituição. Parece que a argumentação é a de que um dos contos, Obscenidades para uma dona de casa, de Ignácio de Loyola Brandão, seria inapropriado para os estudantes. É ridículo acreditar que um adolescente será desvirtuado de qualquer caminho por causa de um conto, quando a internet tá aí cheia de possibilidades de acesso a conteúdos pornográficos ou perigosos. A verdade é que ninguém lê, e, com sorte, alguns desses adolescentes que receberiam o livro teriam a curiosidade de abri-lo para ler dois ou três contos, nada mais. O politicamente correto hipócrita impera mais uma vez para atrasar qualquer tentativa de avanço nas políticas públicas de educação.
Meu Deus do Céu, onde vamos parar? Primeiro Monteiro Lobato, depois Loyola, qual será o próximo, Machado? o último desliga a luz.

3.10.10

CLARO ENIGMA



Muito causou espanto o que aconteceu àquele homem. Era um senhor simples, já de meia idade, rosto oblíquo, a pele alva, manso. Era sério, simples, e forte. Observava atrás dos óculos o vasto mundo, não mais do que o que ia por dentro. Escrevia versos e se chamava José, mas poderia ser qualquer outro, João, Joaquim, Raimundo, Carlos. Apenas mais um gauche, entre tantos, se não houvesse tantos desejos. Seguia sempre o mesmo trajeto trilhado há tantos anos, entre a Graça Aranha e a Araújo Porto Alegre, que as ruas já pareciam fazer parte de si, assim como se reconhecia no seu caminhar a sua distinta profissão de funcionário público.


Contam os mais próximos que a razão de ele ser triste era por ter nascido em uma cidadezinha qualquer, em que janelas olhavam a vida passar devagar, com um peso de ferro, como que de suportar o mundo nos ombros. Mas agora, era apenas uma fotografia na parede de sua casa, para onde se dirigia quando se deu o acontecimento.


Já na orla de Copacabana, o homem ia devagar, à procura da poesia escondida em algum lugar, quando, de repente, no meio do caminho tinha uma pedra. Mas não uma qualquer: era obtusa, misteriosa a pedra no meio do caminho, no meio da sua pacata travessia rotineira. Deteve-se a observá-la com toda a cautela que suas retinas fatigadas atrás dos óculos lhe permitiam alcançar. Sabia que sob a face neutra da pedra se escondia mil faces secretas que lhe perguntava: trouxeste a chave?


Não podia prosseguir em paz. A pedra lhe obstava todo o caminho traçado, toda a continuidade da vida, suspensos pelo claro enigma de esfinge que ali se configurava. Decifra-me, ou te devoro.


De repente, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou e tudo fugiu. Restava o homem, parado, sem gritar, sem gemer, o homem e o tabu: e agora?


Seu medo era como duros tijolos a cobrir a rua, só de medo e de calma. Observava a pedra e quanto mais se perguntava o seu segredo, mais não o respondias, lhe dizia que não tinha. O homem a perguntar, realmente não o tinhas, me enganavas?


Já pensava na desculpa que iria dar no trabalho, a carta ao senhor diretor, que protocolarmente surgia infalível às 8 e meia, sempre a indagar – alguma novidade? Sim, a novidade era aquela ali, a pedra no meio do caminho, a que lhe impunha a consciência suja, a que lhe fazia ganhar (perder) o dia – veja lá, José, eu confio em você.


Na pedra gastou seu dia. Nela, se perdeu. Quando amanheceu, o homem, duro como a pedra, não morreu. Fez-se de ferro, assim como sua cidade natal, e está lá até hoje, de costas para o mar, sentado num banco, na praia, a questionar, a pedra.











obs pra ninguém: eu fiz esse conto para um concurso sobre Carlos Drummond de Andrade, mas perdi o prazo para o envio. Mas não estou triste, foi um processo divertido, dividir uma estória com o poeta. Voltando às obrigações jurisdicionais...

20.9.10

O inesperado faz uma surpresa

Rufar dos tambores... taratatá!

E aí eu me lembro daquele comercial: será? será?

Aff, é demais pro meu pobre coraçãozinho...

12.9.10

É tudo novo, de novo

Eu já nao sonho com mais nada além de uma ideia fixa que me consome há aproximadamente 4 meses. É ela que me salva dos conflitos internos, externos, dos medos, finais, desencontros e fracassos. E já entendo Pessoa no que diz que viver é estar sonhando, só é possível vida no sonho, como quis me convencer o Motta.
Tenho tido aulas motivadoras, aprendido mais sobre Drummond, Bandeira e Baudelaire. Do Direito ainda tento entender constitucional, previdenciário, processo civil. Nos dias aparecem pessoas interessantes, somem outras, reaparecem mais algumas.
Tento dar ordem ao caos, virgiana incontestável, deixo as contas pagas, os deveres sobre a mesa. Tento, e quando nao tenho sucesso, tento mais um pouco. Funciona.
Abandono os excessos, largo Aristóteles e Eurípedes pra lá, prometo deixar de ser irresponsável, e faço cara de "compreendo", como o tio Charlie.
Vou dando liga a minha ideia, limpando arestas, desfazendo laços. E é vida que segue.

Once upon a time

"Tem certos dias que passam como continuidade de outros, um intermédio até o próximo final de semana. São dias bons, embora não se aperceba disso. Acontece que quando chega um dia realmente delimitador de outros tempos, eu tenho vontade de continuar naquela rotina que tão menosprezava e torcia pra acabar. Não são ruins também, é o medo do desconhecido, do há-de-vir. E acontecem tão de uma hora pra outra que eu fico tonta e não sei reagir. Acho que ninguém. Mas ninguém reage como eu.

Porque ninguém raciocina tão lento e mesmo assim tenta compreender toda a complexidade da questão em segundos. E eu não reajo bem a certas coisas que me causam perplexidade. "


Eu escrevi isto em outubro de 2009, e agora me lembro perfeitamente bem do porquê. Achei que aquele fato iria realmente modificar as coisas, que eu iria parar com essa repetiçao clichê de reclamar da minha rotina. Engraçado como foi um nada-de-mais que, ao final, nem deixou marcas dignas de consideraçao, como um flerte inofensivo em que você já se imagina casada mas ele nem pega o seu telefone.

A vida independe.

Queria ter tempo pra mim e pros meus projetos, meus enredos, meus interesses
Queria escrever pros amigos, ligar, saber como andam, o que fazem, e quando a gente pode se ver
Queria saber falar e escrever fluentemente inglês e espanhol, como cismo em colocar nos cadastros que faço por aí
Queria também saber falar e escrever fluentemente o português, como finjo que sei por aí
Queria ter coxa, peito, bunda, queria caber num sapato, numa calça legal
Queria ter uma internet mais rápida, um notebook, ou apenas um teclado que funcionasse o botao do til
Queria me lembrar das senhas, e também dos usernames
Queria ter uma máquina digital como as antigas em que a gente olha por um buraquinho como vai ficar a foto e as cores fazem as coisas saírem incrivelmente belas
Queria estudar muito menos, pra poder estudar muito mais
Queria nao me aproximar muito, nao gostar muito, nao me envolver muito, porque no final do ano eu...
Queria voltar a ser aquela garota engraçada, egocêntrica, nao queria mais nada disso de volta
Queria deixar de ser idiota e falar idiotices, escrever idiotices, pensar idiotices, fazer idiotices
Queria nao precisar pegar ônibus nunca mais, nunca mais ir a Campo Grande, nunca mais chegar atrasada, nunca mais fazer prova, nunca mais preencher ficha, assinar, rubricar
Queria nao poder caber em mim de tanta felicidade, tanta informaçao, tanta vida e beleza
Queria nao querer e ser, apenas


Mas é outro setembro, é outro ano astral, outro ciclo, o mesmo ciclo, a mesma história e a mesma vida. Até que enfim dezembro chegue, e com ele a roda-viva...

24.5.10

Ouvido num ônibus

_ Eu, comparado à vida, estou por uma palavra.

[tentei compreender o sentido dessa máxima, mas achei que certas coisas nem devem ser entendidas, ou tem representação por si mesmas, numa vida paralela à correspondência ao real. Aí pensei que Roland Barthes tinha incorporado em mim e exorcitei-o, olhando para fora da janela o caos de gente na rodoviária Novo Rio.]

22.5.10

Maio

Maio é um mês bonito.

Maio é um mês estranho.

O final de maio é prenúncio do meio.

E eu hoje estou inspirada.



"Maio
já está no final
É hora de se mover
pra viver mil vezes mais
Esqueça os meses
esqueça os seus finais"

"maio", kid abelha



Eu sempro esqueço os finais.

Farei um conto para você.

Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó

Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu

Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez

Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar o meu amor
Não voltava
Jamais

"A moça do sonho", Chico Buarque



Sentado à mesa do restaurante o garçom me espreitava na convicção de que eu o chamaria para mais uma dose de conhaque. Pois ele acertou em cheio na sua premonição, eu não quis chatear o meu amigo temporário e pedi logo toda a garrafa do mais caro. Ele deliberou um simpático aceno de cabeça com um meio sorriso, embora não conseguisse disfarçar o cansaço de uma noite inteira de trabalho percorrendo mesas. Já era madrugada, o movimento ia baixo, só uma meia dúzia de homens formais e casais rindo aqui e ali, semi-prontos para saírem e voltarem aos quartos. Ele retornou e virou a garrafa no copo bem a minha frente, com uma usualidade de mãos que fazem aquilo há anos e que mesmo dormindo devem continuar a fazê-lo. Eu também o agradeci rotineiramente e bebi de uma vez o conteúdo despejado, sentindo o líquido rascante descer pela goela abaixo até sumir.
Continuei nesse passo durante um bom tempo, o suficiente para chegar à metade da garrafa e notar que o espaço ia ficando cada vez mais silencioso, onde só restavam dois sujeitos afastados e o serviçal, limpando eternamente a bancada que ele julgava já descansar em paz naquela noite, quando somou-se ao bar uma figura feminina. Colocou os dois cotovelos no vidro recém-enxugado pela flanela eterna e com o movimento de um dos dedos pediu alguma coisa para beber.
O lugar era escuro, mas onde ela se sentou era o ambiente mais iluminado do salão, tendo em vista que era o balcão em que todas as bebidas ficam à mostra, de modo que sua posição era estrategicamente de costas para mim, eu que estava numa mesa a alguns metros, não muitos que não pudesse apreciar aquela figura em todas as suas peculiaridades.
Era uma moça jovem, com os cabelos dourados e serpenteados em um coque extremamente alinhado, terminado onde começava um pescoço lânguido e muito alvo. Tinha as unhas e boca pintadas de vermelho intenso, assim como o seu vestido longo era de um um carmim vivo e notável. De suas costas descia um decote profundo até a altura do cóccix, adornado por uma fina fita de cetim escarlate que se alternava por toda a extensão da fenda, terminada por um um laço onde o pudor obrigava a ter limite, que seu corpo esguio e fascinante cativava a desobeder. Era a mais perfeita combinação entre carne e tecido que eu já vira em toda a minha vida, e a palidez da sua pele contrastava ainda mais naquele traçado vazado.
O fato de estarmos num hotel de luxo excluia a hipótese de ser uma dessas mulheres vulgares a procura de companhia noturna, e seu porte e ornamentos finos sepultavam de uma vez essa ideia. Era de fato uma mulher de classe e o mistério que envolvia aquela presença ali, sozinha e ricamente trajada, me despertava um fascínio que só aumentava pela minha embriaguez alcoólica.
Conjecturei razões plausíveis e não plausíveis para aquele enigma em forma de mulher, que naquele instante concentrava todo o universo do meu ser solitário e afetado pela bebida. Ela parecia vinda de um sonho antigo de algum rapaz que cresceu e parou de procurá-la. Foi tão cansativo procurar em todas as mulheres o seu paradeiro que ele se entregou àquela que no momento lhe convinha, e a fantasia juvenil ficou deslocada e para sempre perfeita. Ela agora andava a vagar pela noite com seu vestido de gala e aura intocável, que eu ousava macular. Tinha a esperança de que alguém a encontrasse e, com isso, desfizesse o encantamento que a prendia ao chão.
Ou então era a esposa de um rico empresário insensível que viajava pelo mundo, a carregá-la a convenções e encontros suntuosos, a obrigando a sorrir e a se anular em todas as ocasiões. Era um troféu caro e sua condição não a permitia respirar. Uma noite sem que ninguém percebesse fugiu de mais uma festa inútil e correu para cá, a espera de que alguém a salve. Eu me aproximaria e diria qualquer um desses chavões de manuais, depois a convidaria para meu quarto. Desfaria o laço que a prendia e trocaríamos juras desesperadas até que a manhã chegasse, ela se atrapalharia com a fita e cabelos desfeitos, e voltaria ao seu mundo, sem que eu lhe perguntasse o seu nome.
De repente, a sombra de um cavalheiro alto e distinto encosta suavemente a mão esquerda em seu braço direito, ela acorda de seu torpor enfeitiçado e o olha com encantos de apaixonada, seu corpo lentamente se levanta e se retira, com o homem a me tapar a visão. Foi-se embora assim como chegou, e num canto da parede o garçom me olhava com ares de aflição por ter que me esperar terminar o drinque. Eu tomei o último gole e agradeci mais uma vez àquele que se precipitava em retirar o copo, peguei o elevador e abri a porta com alguma dificuldade, me joguei na cama e dormi um sono sem memória, com as luzes do quarto acesas.





17.5.10

Já é meio de ano.

Acredita? Pois é.
Forte indício que as coisas vão terminar logo, logo....
Mas sabe o que eu queria dizer? quanto mais o tempo passa, mais estou certa nas minhas convicções. é estranho e surpreendente. Acho que se alguém que já conheci retornasse e tivesse um dedinho de prosa comigo (uai) saberia identificar a mudança. Mas eu, agarrada que estou em mim, não consigo ao certo apontar. mas está lá. e grita. queria ser mais objetiva, mas não posso.
No aguardo.